
Trabalho com mudanças climáticas desde que me entendo por gente na vida profissional. Isso não é novidade e já tem mais de uma década, mas o que é bem mais recente na minha vida é que apenas há 3 anos comecei a conciliar esse propósito de vida com um novo propósito - o de ser mãe. Como quem reluta em dividir a atenção de algo que ama, eu passei boa parte da minha gravidez trabalhando incessantemente. Parece que de alguma forma eu queria compensar todo o tempo em que eu ficaria “parada” na licença-maternidade. Só uma pessoa que realmente não tinha ideia do que é a maternidade pode achar que cuidar de uma criança é ficar parada, né? Pois é, por aí vocês podem perceber a minha falta de noção sobre a responsabilidade que me aguardava. Cheguei ao ponto de estar viajando a trabalho sem perceber que não tinha atestado médico para autorizar meu voo de volta para casa e tive que conseguir um atestado às pressas, que me permitisse embarcar com alguns dias passados da recomendação médica às grávidas.
Quando minha filha nasceu, parece que tudo parou no tempo. Eu nem me lembrava do que era o trabalho no escritório, até porque estava entregue a um ser que dependia completamente de mim. Tivemos muitas dificuldades no parto e nos primeiros meses de vida, o que indicava que ela precisaria de mim mais do que os 4 meses de licença-maternidade a que eu tinha direito. A batalha da amamentação exclusiva e em livre demanda foi seguida por uma batalha para ter minha licença extendida. O surreal é que isso, na verdade, não deveria ser uma batalha, já que a Organização Mundial da Saúde prevê que bebês devem ter amamentação exclusiva até os seis meses de idade, mas infelizmente essa é uma realidade que poucas mães podem usufruir. Eu estava nos meus primeiros meses de maternar, mas preocupada se teria como proporcionar à minha filha alguns meses adicionais de cuidados essenciais à vida dela. Foi aí que comecei a perceber algo que hoje está cada vez mais claro para mim - nos moldes do mercado de trabalho atual, dificilmente a conta vai fechar.
Diante disso, comecei a pensar qual seria a melhor forma de conciliar meus dois propósitos: o trabalho com mudanças climáticas e o meu trabalho de ser mãe. Para isso, eu precisava de flexibilidade, mas ao mesmo tempo desconstruir o mito de que eu poderia ser uma mulher maravilha que daria conta de tudo. Aliás, essa é uma armadilha que muitas mulheres - mesmo as que não são mães - acabam caindo. Não somos naturalmente aptas a desempenhar multitarefas, apenas acabamos aceitando muitas delas por imposição e dificuldade de nos impor ou delegar. Construí minha carreira com esforço e sempre saindo da zona de conforto, mas nada que se comparasse ao esforço do que é maternar. E com esses dois esforços acumulados, sentia-me - e por vezes ainda me sinto - exausta. Mas mesmo cansada, eu não abriria mão da minha carreira e nem do meu maternar, pois acredito que carreira e filhos podem sim caminhar juntos. Mas para isso foi necessário uma reinvenção do modo como eu me enxergo como pessoa e, por consequência, como enxergo o trabalho e a vida. Uma reinvenção como quem se adapta a novas condições de temperatura e pressão.
Unindo os meus dois propósitos, vejo-me com ainda mais compromisso com as políticas e mudanças que me proponho a contribuir. Eu, que nasci e cresci na Amazônia e pari minha filha no Cerrado, passei a ter esses dois biomas do Brasil tão ricos entranhados na minha história. Vejo-me com a responsabilidade de fazer com que minha filha cresça como parte de uma geração bem mais consciente do que a minha. Afinal, esta é a geração de Greta Thunberg e da litigação climática liderada por crianças e adolescentes. A meu favor, tenho novas habilidades que a maternidade me trouxe - empatia, paciência, construção de diálogo, mediação e resolução de conflitos - e tenho um comprometimento ainda mais sério em agir sobre a emergência climática que vivemos. Afinal, como diria a Greta, nossa casa está em chamas.
Como uma #mãepeloclima, levo a maternidade no meu currículo e acho que tanto eu quanto o mundo tem muito a ganhar com isso. Mas para que filhos e carreira possam crescer juntos, precisamos de espaços mais acolhedores para a parentalidade e de um mercado de trabalho mais humano. A pandemia do Covid-19 escancarou muitas questões relacionadas à desigualdade de gênero e do cuidado, mas a caminhada ainda é longa para tornar visíveis os desafios de uma mãe que quer continuar investindo em si mesma, na sua trajetória profissional e na sua família.
Para mim, mais do que nunca trabalhar com clima é desafiador e instigante intelectualmente e fico muito feliz que o tema tenha cada vez mais uma pegada de justiça climática, que contempla não somente um aspecto intergeracional, mas também uma preocupação de inclusão de gênero, raça e de populações vulneráveis, que precisam ser ouvidas não somente como afetadas pelas mudanças do clima, mas como parte essencial da construção de um mundo mais resiliente para a presente e próximas gerações. Como mentora do YCL, espero mentorar e trocar experiências com muitos jovens engajados em soluções inovadoras para combatermos esse que é o maior desafio do nosso tempo. Espero que juntos possamos sempre nos permitir reinventar. No que depender de mim - e da mini ativista que tenho em casa - estamos prontas para a luta!